sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Olhos bem fechados

As luzes da cidade estão misturadas.
Eu apoiada na janela e meu mundo escorrendo por meus dedos.
De olhos bem fechados, eu sei que assim não irei chegar ao outro lado,
então me deixe, eu sei andar na escuridão.
Aquilo que foi dito, eu me recordo, eu sei, não acredito.
A verdade derramada, o coração alardando uma nova manhã.
De olhos bem fechados, eu sei que assim não posso acordar,
então me deixe dormir nas penumbras.
Eu não vejo nada além dos escritos na parede,
a lata de tinta e meia dúzia de revolta,
um mar de cegueira,
afundando, afundando...
Não!
Não segure minha mão,
eu não confio em ninguém.
De olhos bem fechados, eu sei que assim eu posso dedilhar as notas,
então me deixe no piano um conhaque e nada mais.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

¨Se pudesse.. nessa caminhada...¨

“Diadorim vinha constante comigo. Que viesse sentido, soturno? Não era, não, isso eu é que estava crendo, e quase dois dias enganoso cri. Depois, somente, entendi que o emburro era mesmo meu. Saudade de amizade. Diadorim caminhava correto, com aquele passo curto, que o dele era, e que a brio pelejava por espertar. Assumi que ele estava cansado, sofrido também. Aí mesmo assim, escasso no sorrir, ele não me negava estima, nem o valor de seus olhos. Por um sentir: às vezes eu tinha a cisma de que, só de calcar o pé em terra, alguma coisa nele doesse. Mas, essa idéia, que me dava, era do carinho meu. Tanto que me vinha a vontade, se pudesse, nessa caminhada, eu carregava Diadorim, livre de tudo, nas minhas costas.”

ROSA, Guimarães. Grande Sertão: Veredas. São Paulo: Nova Fronteira, 1985

domingo, 8 de novembro de 2009

Humano não é humanitário


Sentada na varanda, fumando meus cigarros, avisto de longe um pequeno ser na parede.
Meu primeiro pensamento, mirar a ponta do bastonete nicotinoso em chamas e me dirigir para ver aquele bicho queimando.
Um segundo de consciência, que estupidez.
Me aproximo da coisa que se move, a olho fixamente, a sombra dos meus dedos a assusta, suas patinhas movendo, uma centopéia, daquelas coloridas que haviam no livro da escola, porque eu a machucaria?
Por que só o ser humano é capaz de ter essa atrocidade com vida, essa falta de respeito?
... matar, sangrar, doer, punir, guerrear ...
Por que o ser humano, algumas vezes ou todas as vezes, imagina o mundo como um grande museu de atrocidades privado?